Vou colocar como exemplo uma mão que joguei no meu cash game live semanal que jogo com amigos às quarta-feiras. Essa mão eu estou jogando contra um grande amigo e bom jogador de poker, o Fábio. Foi uma mão infeliz (para ele, no caso :-)), mas que ilustra - ao meu ver - uma oportunidade perdida de controle de pote.
Modalidade: NL Holdem, cash game, $0,20/$0,40
Fábio: stack = ~$25, hand = Ax (não lembro o 'x' mas não é tão relevante)
Daniel: stack = ~$45, hand = 33
(obs: os valores dos stacks são inexatos mas a ordem de grandeza me parece essa)
= Pré-flop =
O Fábio abre raise de $1,60 do UTG. A mesa roda em fold até mim, que estou no BB com pocket 33. Esse raise de $1,60 é considerado "padrão" na nossa mesa. Mesmo jogando fora de posição no pós-flop, resolvo completar com $1,20 em busca de um set (dado o tamanho dos stacks) ou de um board com cartas baixas. Vamos jogar heads-up!
= Flop (Pote: $3,40) =
3 3 A
Nem queria :-)! Quando eu flopo uma quadra, via de regra eu faço slow play. Dou check. O Fábio aposta $1,50. Um raise UTG seguido de uma aposta em board dobrado... Bom, a cont-bet nesse caso é básica dado o perigo do board. Nesse momento, o range de cartas do Fábio na minha visão não muda com relação ao raise pré-flop. Range mais provável, para mim, é: 77+, Ax (com x > 10) e KQ. Pode ser que ele tenha algo como KJ ou QJ mas não acho provável.
Eu dou call.
= Turn (Pote: $6,40) =
A (o board agora está 3 3 A A)
Excelente carta para mim!! Se ele tem o ás eu vou ter um pote grande. Dou check de novo. Ele aposta $3,50. Depois do meu call e da segunda aposta dele, a chance do Fábio ter um ás subiu MUITO. Volto com raise de $10 total. Ele volta all-in. Até pensei que ele poderia ter AA e falei: "Vou dar call pois ou eu ganho todo o seu dinheiro ou vamos ter uma excelente mão quadra contra quadra". Ele respondeu: "quadra??". Bom, tive a resposta que queria.
O river não ajudou e eu levei todo o pote. Lógico que depois dessa vem o questionamento: "o que eu poderia fazer?? Full de ás contra quadra... Azar!". Bom, concordo que foi azar, mas agora de cabeça fria é hora de avaliar logicamente a mão para ver se teria como ter escapado dessa.
Quando falamos de controle de pote, o principal ponto é: dar check (ou apostar bem pequeno) com mãos feitas para manter o pote pequeno. Como as apostas costumam ser indexadas pelo pote (1/2 pote, 2/3 pote etc), quanto menor o pote menor as apostas do oponente no futuro e, consequentemente, mais fáceis as suas decisões. O pote deve ser controlado quando a sua mão tiver força pequena ou média. Dar check com mãos monstras não é controle de pote, é slow play (foi o que eu fiz) pois você não quer um pote pequeno, muito pelo contrário. Nessa mão específica, eu acredito que poderia ter havido melhor controle de pote por parte do Fábio com um check no flop e/ou no turn. Explicando o porquê:
= Check no flop =
Eu dou raise UTG com AQ (vamos supor que tenha sido essa a mão dele) e o BB me dá call. O flop vem A 3 3. O Dan Harrington fala no livro dele de cash game: "é comum ver em high stakes poker os profissionais dando check com top pair no flop para fazer controle de pote". Isso pode ser comprovado nos programas de High Stakes Poker (que passa na GSN). É interessante se mixar 50% de check com 50% de bet nesse caso.
Por que o check no flop é interessante:
- Se o vilão tiver um 3, vc mantém o pote pequeno e demonstra "fraqueza" para o oponente. Isso fará com que as próximas apostas sejam menores e vc perca pouco.
- Se o vilão tiver um A, vc entra numa disputa de kicker que não deve te render muito dinheiro. Só se o vilão for muito fraco e gostar de colocar muita grana no pote com kickers medíocres. E se o vilão tiver AK, vc pode se dar mão.
- Se o vilão tiver um par médio (como não houve re-raise no pré-flop, pouco provável que ele tenha AA, KK ou QQ), ele pode achar que tem uma boa mão com o seu check e apostar ou pagar apostas no turn/river.
- Se o vilão tiver uma broadway hand (KQ, QJ, KJ etc), a mão dele pode melhorar com a carta do turn e você ganha alguma ação.
- Dar check com uma mão feita insere um grau interessante de "deceptive play" no seu jogo. Você deixa de ser o jogador que "quando dá check não tem um jogo formado".
= Check no Turn =
Olhando friamente, aqui foi o pecado, na minha visão. A situação era: eu tenho Ax e o board tem 3 3 A A. O ponto principal aqui é: qual o valor que eu espero tirar dessa situação? Qual a chance do vilão me pagar com alguma coisa pior do que a minha mão?
É preciso ser um jogador MUITO, MUITO fraco para pagar um raise aqui com um 3 ou pocket pair qualquer. Pior ainda é dar um reraise de $10 (como eu fiz) deixando você pot-commited se der call no raise.
Me colocando no lugar do Fábio (análise a posteriori), dada a situação da mão no turn, ao meu ver, existem 4 opções da mão do vilão (no caso, eu):
- Ele tem um A. Nesse caso, é bobagem apostar pois iremos empatar muito provavelmente.
- Ele tem um 3. Ele vai foldar. Como eu disse, com um raise UTG e apostas no flop e no turn, é preciso ser um jogador fraco para continuar na mão com um 3 depois disso. Se vc acha que o vilão é fraco, aí sim vale a pena apostar.
- Ele tem qualquer outra coisa. Ele vai foldar. Observação: um vilão muito fraco poderia pagar a aposta com KK ou QQ.
- Ele tem 33. Bastante improvável (hehe), mas nesse caso o meu ás não vale nada.
É isso! Fábio, meu camarada, dando uma de engenheiro de obra pronta, acho que tinha saída sim para a jogada. Mas fazer essa análise em poucos minutos e o no calor da jogada é difícil. Quem sabe numa próxima. Concorda com a minha análise??
Abraços!
Bahia, parabéns pelo post (e pela mão). Excelentes comentários. A análise do check no flop com top pair é bastante interessante e útil em determinadas situações. Realmente o controle do pote para segurança é bom para perder pouco em situações como a apresentada. Contudo convenhamos que não acho que era o caso específico (digo isso por fazer parte da mesa!). Nosso joguinho semanal é de valores pequenos e mesa curta. O Fábio havia flopado uma excelente mão; não sei se você daria apenas call ao raise no flop se tivesse apenas um 3. E no turn ele só perdia para seu 33! Nosso jogo é o oposto do high stakes poker em valores... Mas isso não desmerece em nada sua análise. Acho inclusive que ele é complementar e mais um exemplo para seu antigo post "Pagando para empatar?". CB
ResponderExcluirCB, valeu pelo comentário.
ResponderExcluirMinha opinião sobre o diferença de low stakes (nosso jogo) e high stakes: nível de jogador. Note que o valor do dinheiro não importa, pois ele costuma ser relativo aos blinds/pote/stakes. A matemática e estatística também não variam. Então o que varia essencialmente? O nível dos jogadores e como eles jogam.
Certamente em um jogo mais fraco ou no qual as pessoas dêem menos valor ao dinheiro, vc vai ter call mais looses o que significa que vc consegue extrair mais valor mesmo em situações marginais. Ou seja, realmente vc pode conseguir extrair mais valor apostando em todas as streets com top-pair e top(ou good)-kicker.
Nessa situação específica, ok para o raise no flop (apesar que o call pode ser mais lucrativo em determinadas ocasiões). Mas eu ainda acho que o raise no turn não tem valor implícito.
Abraços!
Uma coisa é valor relativo e outra valor absoluto. Suponha que tenha jogadores de níveis equivalentes jogando numa mesa onde o pote com all-in chegará a $60 e outra em que ele chegará a $1.000.000. Tenho certeza que o nível de atenção e precaução será diferente nas duas situações. Olhar para uma mesa com AA33, tendo um A na mão, e pagar, ou mesmo dar raise é diferente quando se está apostando $30 ou $500.000. Meio milhão é meio milhão, mesmo que seja "dinheiro de pinga" para alguns...
ResponderExcluirCB
Pode ser que o efeito "dinheiro de pinga" faça que o vilão tenha calls mais loose mesmo. Concordo contigo.
ResponderExcluirDe qq forma, poker não é um jogo de dinheiro absoluto, é um jogo de performance (dinheiro é consequência). Qualquer bom jogador só jogará em limites que ele pode bancar e proporcional ao seu bankroll. E deve jogar sempre o melhor e com o valor relativo do pote. Tomar decisão pelo valor absoluto é errado na essência, na matemática. Por diversão: beleza, sem problema. Mas jogando sério e preocupado com performance, nunca. Tanto que a medida de performance mais usada para jogadores de cash é BB/100. Que é a qtde de big blids que um jogador ganha a cada 100 mãos. Note que isso anula o fator high/low stakes.
Tudo isso para dizer que dar um call no board do turn (e com a ação anterior) sem um A, na minha visão, é um jogador fraco ou um fanfarrão :-) (sem conotação perjorativa, apenas é um jogador que está jogando para se divertir e que vê o dinheiro do pote apenas como uma passagem de ônibus, uma cerveja, um lanche no MacDonalds etc)